30 Novembro 2023
"Em março de 2009 fui uma das primeiras mulheres francesas ativas na política a registar-se no X, uma rede social que hoje conta com uma comunidade de mais de um milhão e meio de assinantes pagantes em todo o mundo. Para permanecer fiel às minhas convicções e ao meu empenho político, hoje deixo o X", escreve Anne Hidalgo, prefeita de Paris, em artigo publicado por La Stampa, 29-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tomei a decisão de deixar o X (o novo nome do Twitter). Longe de ser a ferramenta revolucionária que, no início, permitiu o acesso à informação a um grande número de pessoas, nos últimos anos o X tornou-se uma arma de destruição de massa das nossas democracias. Manipulação, desinformação, amplificação do incitamento ao ódio, da prevaricação organizada, do antissemitismo e do racismo declarados, ataques coletivos aos cientistas, aos climatólogos, às mulheres, aos ecologistas, aos progressistas e a todas as pessoas de boa vontade que desejam um debate político sereno e pacífico num mundo cada vez mais complexo: a lista das desvios é infinita, sem esquecer as ingerências estrangeiras que interferem diariamente nas várias consultas eleitorais, prejudicando a imagem e a soberania das nossas democracias com o propósito de as desestabilizar. Hoje, no debate público, predominam incontestadas as polêmicas, as calúnias e as manipulações grosseiras alimentadas pelo algoritmo do X, onde apenas o número de “curtidas” conta. O que importa a verdade? Essa plataforma e o seu proprietário agem propositadamente para exacerbar as tensões e os conflitos. Eles deliberadamente criam obstáculos às informações indispensáveis para o advento da transição ecológica e energética decisiva que tanto precisamos, em benefício dos cépticos climáticos, cujo debate é promovido por aqueles que têm interesse no uso de combustíveis fósseis e na atividade predatória sem limites do planeta.
Também podemos continuar ininterruptamente a negar, assumir posição e explicar, mas o barulho produzido por uma notícia falsa será sempre muito maior do que o eco de uma verdade comprovada. Não vamos nos iludir. Trata-se de um projeto político preciso que pretende prescindir da democracia e dos seus valores em favor de poderosos interesses privados. Do último relatório sobre transparência do controle dos conteúdos, publicado pelo próprio X, resulta que a França ocupa o primeiro lugar na Europa em termos de palavras violentas, injuriosas e ilícitas. O X tornou-se um enorme esgoto mundial. Devemos continuar mesmo a nos afundar cada vez mais nele?
Vemos isso todos os dias agora. O X dificulta o debate, a busca da verdade, o diálogo sereno e construtivo, necessário entre os seres humanos. Com milhares de contas anônimas e fábricas de trolls, o que está no X não é vida democrática, mas exatamente o seu oposto. Recuso-me a dar aval a esse projeto funesto. Acredito profundamente na democracia, que deve ser continuamente aperfeiçoada.
Acredito no debate nestes nossos tempos difíceis. Não nos deixemos intimidar por desprezíveis desestabilizações. Não deixemos que os “engenheiros do caos” se apoderem do nosso destino. Não deixemos que nas nossas telas as nossas democracias sejam esmigalhadas todos os dias.
Em março de 2009 fui uma das primeiras mulheres francesas ativas na política a registar-se no X, uma rede social que hoje conta com uma comunidade de mais de um milhão e meio de assinantes a pagamento em todo o mundo. Para permanecer fiel às minhas convicções e ao meu empenho político, hoje deixo o X. Continuarei ativa em outras redes sociais onde ainda é possível uma troca respeitosa. Hoje mais do que nunca é indispensável continuar a manter viva a verdadeira democracia, aquela dos conselhos municipais, das assembleias de cidadãos, das eleições, das conferências, das reuniões, lugares reais onde podemos nos olhar cara a cara, discutir, construir juntos e viver juntos, muito simplesmente. Quando tudo escurece, precisamos nos virar para a luz e para aquelas nobres e grandes espíritos que em alguns momentos da nossa história nos indicaram o caminho a seguir.
No início da década de 1960, Martin Luther King disse: “Devemos aprender a viver juntos como irmãos ou morreremos juntos como tolos". Procuremos ter coragem em nós mesmos e redescobrir o caminho da democracia, da paz e da fraternidade. Temos a possibilidade para tanto.
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Deixo o X de Musk: democracia em risco. Artigo de Anne Hidalgo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU